Por João Bugalhão
Em princípios de
1897 o Partido Progressista de José Luciano de Castro chega ao governo de
Portugal, substituindo os Regeneradores de Hintze Ribeiro que haviam
patrocinado a reforma administrativa que suprimia vários concelhos do país,
entre os quais como já referimos no artigo anterior, o concelho de Marvão. E
como sempre na política e governação portuguesa, nada melhor para ser diferente
e baralhar, que desfazer o que o anterior havia feito. E foi assim, também por “decreto”
que se restaurou. Dando no entanto origem ao mito de heróis que talvez nada
fizeram pela causa, mas que mais tarde, devido ao esquecimento e à falta de
hábitos de escrita dos portugueses, se hão-de fazer grandes homenagens.
Figura 1 - O imponente Arco da Aramenha, retirado dessa localidade no século XVIII e implantado à entrada da vila de Castelo de Vide onde hoje se situa o Hotel Sol e Serra. Viria a ser destruído em 1891 (?) ainda antes da anexação do concelho de Marvão.
Por isso, e um
ano após estarem no governo, a 13 de Janeiro de 1898, os Progressistas
elaboraram o seguinte decreto, que dizia no seu art.º 1º: “São restaurados os concelhos mencionados no mappa nº 1, que com o
presente decreto baixa devidamente authenticado, ficando constituídos com as
freguezias que no mesmo mappa lhes são respectivamente designadas e sendo
incorporados nos districtos administrativos a que o mappa allude”. (1) E
assim se cumpriu também no caso do concelho de Marvão.
Em 24 de Janeiro
de 1898, em encontro que, segundo relatos, decorreu na aldeia da Escusa, os “nomeados”
representantes dos marvanenses, tendo à frente António de Mattos Magalhães,
receberam da parte da governação de Castelo de Vide os símbolos de Marvão que
para lá haviam sido transferidos, nomeadamente, “utensílio, mobília e archivo”. Dizem os relatos que tudo decorreu dentro
da melhor ordem e de acordo com as instruções do magistrado distrital.
Três dias depois
o Livro de Actas da Câmara de Marvão relata-nos o seguinte: “Anno do nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil oitocentos e
noventa e oito, nesta villa de Marvão a sala das sessões da Câmara Municipal
deste concelho, reintegrado por decreto de 13 de Janeiro deste anno, aos 27
dias do mesmmo mez, a onde se achava o cidadão João José Magalhães, administrador
deste concelho, previamente convidados a comparecer os cidadãos Dr. António de
Mattos Magalhães, Manuel Joaquim Semedo, Francisco José de Carvalho, José Maria
Forte e José Machado, monidos com as respectivas commonicações officiaes, que
os nomeavam membros da Commissão Municipal para receberem posse dos seus
respectivos logares prestando o juramento por lei determinado.” (2).
Figura 2 - Fotografia de Marvão no início do século XX (Retirada do álbum do Facebook de Jorge Oliveira)
Assim se fez
pois a desanexação/restauração do concelho de Marvão: por decreto governamental
e com nomeação pelo Governador Civil de Portalegre de uma Comissão
Administrativa para gerir o concelho. Desta comissão faziam parte apenas 2 membros
que estavam na vereação extinta em 1895 António de Mattos Magalhães e José
Maria Forte, sendo que o primeiro foi nomeado seu presidente.
Da parte dos
registos marvanenses da altura, segundo a autora que venho citando, pouco
podemos saber acerca das congratulações que aqui existiram pela
devolução/restauração da soberania municipal do concelho de Marvão. Um dos
poucos registos desse regozijo é um Ofício de 16 de Junho de 1898, enviado pelo
vice-presidente da Comissão Administrativa José Maria Forte (já que o
presidente/herói Mattos de Magalhães, não se aguentou muito tempo por aqui, e
nessa altura já tinha rumado a outras paragens como deputado do reino), a
agradecer a 4 personalidades consideradas importantes para o desiderato de
então. Essas 4 personalidades foram: José Luciano de Castro (Chefe do Governo
Central do Partido Progressista); João Ferreira de Pina Callado (Governador
Civil de Portalegre); José Frederico Laranjo e António de Mattos Magalhães (Par
do Reino/Deputados pelo Partido Progressista); que diziam com pequenas
diferenças o seguinte: “Tenho a honra de
levar a V. Ex.ª que a câmara da minha presidência resolveu, como protesto da
mais viva gratidão e agradecimento pelo restabelecimento d´este concelho, que o
retrato de V. Ex.ª fosse colocado na sala das suas sessões a fim de que a
posteridade possa attestar os serviços prestados por V. Ex.ª à causa que
prestou à câmara pelo restabelecimento d´estes concelho...” (3)
O Retrato de
Mattos Magalhães ainda hoje lá permanece, dos outros nada sei!
Mas se da parte
dos marvanenses tudo parecia então, com o concelho restaurado, “cravos e rosas”, já o mesmo não se não
podia dizer por parte dos de Castelo Vide, que viam assim perder, talvez a
parte mais valiosa com que haviam sido brindados e a que sempre aspiraram. Embora
tendo sido por pouco tempo, não deixava de ser uma perda, indo ao ponto de dizerem
que, também os de Marvão, perdiam com a desanexação, como se pode ler no Livro
de Actas da Câmara Municipal castelovidense. Leia-se, com muita atenção, como os
de Castelo de Vide viam o concelho de Marvão: “...esta Vereação concorreo quanto pôde para assignalar as vantagens da
anexação dos concelhos de Castello de Vide e de Marvão, agora desanexados (...)
com grande prejuízo dos povos dos dois concelhos, que sempre viveram na melhor
harmonia e assim hão-de continuar, estreitando-se cada vez mais as relações de
família que os ligam e a comunidade de interesses comerciais e industriaes que
convergem a Castello de Vide pela sua situação e elementos de vida. Crê que a
desanexação não será duradora por quanto ella não exprime a vontade geral e
obedeceu apenas, a velleidades d´alguns homens, que levados de nimio amor pelas
suas ideias sacrificaram a consciência e legítimos interesses dos povos aos
seus caprichos. Appela para o testemunho dos mesmos povos e elles dirão como
nos dois anos que estiveram unidos experimentaram benefícios e melhoramentos
que chegaram aos logares mais distantes e como em tudo se revelou melhoria na
administração municipal, e d´ora em diante hão-de ver retrahidos esses
benefícios principalmente nas freguezias de Marvão onde faltam indivíduos
habilitados para a necessária rotação dos cargos públicos, e rendimentos para
fazer face a despesas de administração e aos melhoramentos privativos da
localidade. “ (3).
Está bem abelha, como diria o outro! Isso soa-me a conversa de “colonizadores”, digo eu. Já lá vão 120 anos...
(1) – BERNARDO, Maria Ana: Centenário da
Restauração do Concelho de Marvão, 1998, pg 25.
(2) – Idem, pg
28
(3) – Idem, pg 31
(4) - Idem, pg 26
(4) - Idem, pg 26
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