Por Teresa Simão
Nota prévia:
Devido a uma atitude antidemocrática lamentável ocorrida com um órgão deliberativo na autarquia de Marvão, o que parece ser já prática recorrente, sou obrigada a citar o Oxford Classical Dictionary, que nos ilustra sobre o conceito de democracia, ou da falta dela, o que abre sempre caminho para perigos maiores. Assim, segundo esta fonte, o vocábulo surgiu pela primeira vez na viragem do século V para o VI a.C., após as revoltas em Atenas terem derrubado uma dinastia de tiranos do poder. Em demokratia encontrávamos o sentido da palavra: o poder (kratos) do povo (demos). Já a "tirania" significava, na sua origem, o governo por um homem só; não necessariamente no sentido atual de opressor ou usurpador de reis. Um tirano individual podia ser bom, mau ou não tão mau como isso. Apesar de tudo, os tiranos foram retirados do poder por um número significativo de habitantes de uma polis (cidade-estado) e os cidadãos desse estado tinham direitos legais, incluindo o direito a falar livremente e a ser ouvidos e consultados em matérias de interesse comum.
Na autarquia de Marvão, em pleno século XXI, constata-se que um certo agente da
democracia local ainda não compreendeu o conceito de democracia e, talvez por
essa razão, manda calar os vereadores da oposição, os membros da Assembleia Municipal
e, conduta ainda mais gravosa, ignora, se não mesmo despreza, a vox
populi, ou seja, a massa socioeleitoral de Marvão, que assim vê a sua voz
encerrada num cadeado que é avesso ao debate de ideias e à afirmação do pluralismo democrático.
Pergunto-me se o portador desta conduta antidemocrática atua por um impulso
autocrático que estruturalmente possui ou se tal remete, também, para a
ignorância da história da democracia, sua evolução e para que servem, afinal,
as suas instituições, como é o caso da Assembleia Municipal, órgão deliberativo
por excelência presidido pelo sr. Catarino.
Os últimos mandatos, os longos e penosos anos em que Marvão parou no tempo, têm sido pontilhados pela violação das boas regras democráticas, da audição e da dialética parlamentar, pois na sua origem está um elemento que cerceia a liberdade de expressão aos atores e forças vivas da terra que têm algo a dizer acerca do destino e do futuro comuns.
Ora, consta que, na última assembleia municipal, aquele "agente pouco democrático" (o tal sr. Catarino) impediu que a palavra fosse devolvida ao povo, conforme consta da teoria democrática e decorre do regulamento da dita Assembleia. Daí a pertinência da questão: será apenas a prepotência de um ditador em potência ou, cumulativamente, isso conjugado com a mais pura ignorância da democracia e do seu funcionamento e exercício ao nível local.
Já ensinava Sócrates, o de Atenas, que, se o homem é mau (na sua conduta pública), tal não decorre apenas da sua maldade congénita, mas resulta também da sua ignorância. Ignorância acerca da teoria e da praxis do conceito de democracia e do funcionamento das suas instituições.
Por outro lado, este lamentável comportamento antidemocrático num governo de proximidade revela que a democracia falha quando ela não sabe entrar e criar raízes na política e, quando assim é, abre-se a porta para os tiques autocráticos mais perigosos para as sociedades democráticas, que assim veem diminuídos os seus poderes de representação sem os quais, aliás, o debate de ideias em democracia pluralista não é garantido.
Infelizmente, a prática que lamentavelmente todos vamos conhecendo em Marvão, e que tem origem naquele Executivo, e tem sido agravada pelo suposto representante daquela Assembleia Municipal (o órgão por excelência deliberativo e que tem sido grosseiramente vilipendiado), vem confirmar a ideia de que democracia pluralista e civismo em política, por estas bandas, não caminham lado a lado. Quer dizer, votar para eleger líderes, por exemplo, é um mecanismo democrático; mas muitos monges medievais numa igreja muito autocrática elegiam os seus próprios abades.
Esperemos, contudo, que o Executivo de Marvão, que dá cobertura àquelas práticas antidemocráticas da Assembleia Municipal (ou é o inverso?!) não prolongue mais esta agonia democrática, porque o dever de todos os cidadãos é o de participar ativamente na vida pública e nos assuntos que interessam à comunidade.
Em tempos, Aristóteles recordava Sólon (o lendário criador de leis de Atenas) para justificar que a função geral do Povo era a de eleger os representantes e a de lhes pedir contas no fim do mandato.
Seria útil extrairmos esta lição dos clássicos…
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